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Reforma da Lei de Usura Suscita Indagações

09/11/1998

Wanda Marisa Gomes Siqueira*


A lei de usura, de 1933, pela qual pessoas físicas não podem emprestar dinheiros a juros superiores a 12% ao ano está em vias de ser alterada. 

A proposta de projeto de lei do Ministério da Justiça para combater a agiotagem, sem dúvida alguma, está a exigir a atenção de toda a sociedade. 

Em momentos de crise econômica as pessoas recorrem a empréstimos para poder pagar suas despesas, sobretudo os mais humildes, aposentados, desempregados e servidores públicos. A proposta de projeto de lei surgiu no momento que milhares de servidores públicos, em Brasília, perderam automóveis e telefones para os agiotas depois de serem obrigados a assinar contratos como garantia de dívida. 

Em nosso Estado, a situação não é diferente, aqui também existem milhares de pessoas que tomaram dinheiro emprestado, com juros extorsivos, e que estão sendo ameaçadas e obrigadas a transferir, como última alternativa, o único imóvel da família para o nome do agiota. 

Sempre que uma lei é aprovada para proteger os mais humildes, é interessante fazer um questionamento sobre seu espírito para saber qual a verdadeira intenção do legislador, em especial, quando ela é feita sob encomenda do executivo. 

O projeto torna nulo o contrato que visa transferir e conferir direitos para garantir divida contraída por meio de agiotagem.O juiz pode inverter o ônus da prova, vale dizer, obriga o agiota a provar que o contrato não visa apenas a garantia da dívida por agiotagem. Se for constatada a ilegalidade do contrato, o juiz poderá determinar que o devedor receba em dobro o valor pago em excesso. 

Como se vê, o projeto de reforma da sexagenária Lei de Usura tem pontos altamente positivos porque possibilita aos devedores desesperançados o direito de recorrer ao Poder Judiciário para reaver valores pagos em excesso e, ainda, pleitear a nulidade de contratos de transferência de bens (telefones, automóveis ou imóveis) firmados com agiotas. 

Mas, para não fugir à regra, como a maioria das leis em nosso país, essa não virá para atender somente os interesses dos mais humildes. 

Basta fazer uma reflexão sobre o espírito da lei para concluir que nem todos que emprestarem dinheiro a juros superiores a 12% ao ano serão considerados agiotas. 

O projeto de lei tem uma intencional e paradoxal lacuna ? não prevê nenhuma limitação de penalidade para as financeiras e bancos que emprestam dinheiro (limite de cheque especial, cartões de crédito, financiamento para compra de imóveis e automóveis) com juros de ate 15% ao mês. 

O presidente FHC vai pedir ao Congresso que vote o projeto com urgência. Cabe indagar: incluirá no projeto de lei propostas de punição aos banqueiros, por exemplo? Ou a agiotagem continuará sendo um crime praticado somente pelas pessoas físicas? 

O principio da isonomia deve ser respeitado, a lei não pode ser fonte de privilégios ou discriminações, logo quando a proposta prevê aumento de pena para agiotagem, deve valer para todos que a praticam. 

Esse raciocínio leva a concluir que os contratos firmados com instituições financeiras também podem ser nulos quando suas cláusulas estabelecerem juros superiores a 12% ao ano u quando os juros estiverem disfarçados sob o nome de outros encargos. Para saber se a reforma da Lei de Usura será eficaz como dá a entender o Ministério da Justiça, é indispensável olhar o seu avesso, para saber a quem realmente ela se destina, eis que via de regra em nosso país as leis são feitas para proteger o interesse dos poderosos.

*Advogada
Novembro 1998

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