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Universidade e Vestibular

29/03/2001

Wanda Marisa Gomes Siqueira*

O ingresso numa instituição universitária pública no Brasil, com raras exceções, continua sendo privilégio dos filhos da elite social e cultural  do país, como na época do império.

Houve anos em que 37 mil 574 candidatos estavam inscritos para disputar uma vaga na UFRGS, desse universo de vestibulandos somente 10% seria  classificado e, sem dúvida alguma, 9% dos aprovados são filhos da classe dominante.

Os restantes tentarão uma vaga nas universidades e faculdades particulares e, também, sem dúvida alguma, não concluirão o curso superior por falta de condições financeiras.

Ante a falta de interesse dos governantes de buscar soluções para essa grave injustiça social, cresce assustadoramente o número de instituições de ensino com características de empresas. No Brasil existem, hoje,  centenas de universidades, com faculdades para todas as áreas do saber, pôr onde passam (e na maioria dos casos não concluem o curso) milhares de      estudantes.

Como não poderia deixar de ser, a maioria dessas instituições, auto designadas universidades, funcionam como verdadeiras empresas de ensino, muito mais preocupadas com o lucro do que com a formação dos jovens.

O concurso vestibular transformou-se em mercadoria, e como tal, os  empresários do ensino aproveitando-se do desejo e do anseio que os  estudantes brasileiros têm de ingressar na universidade, organizaram-se de   tal forma, que somente com inscrições e matrículas obtém altíssimos lucros. O sistema de arrecadação é tão perfeito que a lista dos aprovados      numa instituição somente é divulgada depois da matrícula da outra.

Quem estiver disposto poderá observar que as ofertas de vagas são tentadoras e que o marketing dos estabelecimentos de ensino leva os estudantes a fazer inscrições em diversas universidades, satisfazendo,  assim, a ganância dos empresários do ensino. Há um grande número de  vestibulandos que se submete ao estresse de realizar provas de quatro     universidades para tentar uma vaga no curso de sua preferência.

É fácil de imaginar o desgaste e a ansiedade dos vestibulandos e de seus familiares, como é fácil imaginar a frustração daqueles que foram  reprovados ou, se aprovados, não tiveram recursos financeiros para proceder a matrícula.

Cabe indagar porque a juventude brasileira é tão maltratada pelos governantes e pelas autoridades de ensino e pôr que razão o ensino transformou-se em mercadoria?

Os dados disponíveis indicam que a maioria dos estudantes acaba  freqüentando qualquer curso superior e que são poucos que conseguem uma   vaga no curso de sua preferência.

É evidente que as universidades brasileiras devem ser repensadas, seja em  relação ao concurso vestibular, seja em relação ao seu papel na sociedade.

O quadro atual mostra uma universidade massificada e ineficaz.

O concurso vestibular vem sendo utilizado como instrumento de discriminação, as estatísticas demonstram que o vestibular não seleciona  os mais capacitados.

O sistema é quase perfeito para manter a sociedade estratificada em classes, eis que o nível de complexidade das provas nas universidades  públicas está dissociado do ensino de 2º grau das escolas públicas e, em  sintonia com o ensino das escolas particulares e dos cursos pré - vestibulares.

Os vestibulandos devem estar atentos para as armadilhas dos concursos  vestibulares, devem questionar erros, omissões e até fraudes. Devem exigir  transparência e lisura das bancas examinadoras, devem saber que há fortes indícios de manipulação dos resultados, que pode haver intervenção humana na contagem dos pontos pelo computador e que a subjetividade e a falta de critérios mensuráveis para a correção das redações pode comprometer a seriedade e lisura do concurso e possibilitar o ingresso dos menos capazes.

É fato público e notório que no Concurso Vestibular UFRGS/95 houve sérios problemas em relação à contagem dos pontos dos candidatos e, em conseqüência, milhares de vestibulandos foram prejudicados.

Não fora a luta do MOVIMENTO SOS VESTIBULAR UFRGS/95, travada por centenas  de vestibulandos e pais, as grades de respostas continuariam a ser preenchidas a lápis, possibilitando a fraude e a manipulação dos resultados.

Esta problemática só terá solução se as autoridades do sistema educacional se conscientizarem de que o concurso vestibular deve ser aprimorado ou  suprimido e, se os fraudadores dos concursos forem responsabilizados  civil, penal e administrativamente pela ilicitude de seus atos.

É certo que, então, a juventude brasileira poderá realizar o curso superior de acordo com a sua vocação em universidades públicas gratuitas.

E, quem sabe, o executivo estadual possa investir recursos para criar a tão necessária e desejada Universidade Estadual do Rio Grande do Sul.

Para concluir, resta lembrar o que nos ensinou Manuel Sadosky: A questão é saber se aos povos da América Latina interessa salvar os poucos que são  ricos ou construir uma sociedade habitável e justa, com escolaridade,  duração, qualidade e nível de estudos igual para todos. 

*Advogada
Março 2001

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