A Constituição Cidadã e o Direito à Indignação
Wanda Marisa Gomes Siqueira*
De nada adianta ter uma Constituição que estabelece como princípios fundamentais a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho se a maioria dos cidadãos brasileiros vive em situação de desamparo e o desemprego cresce assustadoramente.
De nada adianta ter uma Constituição que tem como objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a garantia do desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza e da marginalização, a redução das desigualdades sociais e regionais, a promoção do bem de todos sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, se esses objetivos estão cada vez mais longe de serem alcançados.
De nada adianta ter uma Constituição que afirme que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, que ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante, que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, que a casa é asilo inviolável do indivíduo, que é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas e telefônicas, se é fato notório que esses direitos são violados.
De nada adianta ter uma Constituição que coloque no rol dos direitos sociais o direito à educação, à saúde, ao trabalho, à moradia, ao lazer, à segurança, à previdência social, proteção à maternidade, proteção à infância, assistência aos desamparados, melhoria das condições sociais dos trabalhadores urbanos e rurais, se na prática esses direitos não podem ser exercitados por omissão e inércia do poder público.
De nada adianta ter uma Constituição que assegure que a família, a criança, o adolescente e o idoso têm especial proteção do Estado e que prioritariamente à criança e ao adolescente deve ser assegurado o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à profissionalização, à cultura, à dignidade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda a forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, se milhares de crianças e adolescentes vivem nas ruas ou são maltratados nas instituições e, muitos deles são vítimas de violência intrafamiliar.
Finalmente, de nada adianta a Constituição garantir ao cidadão acesso ao Poder Judiciário sempre que houver lesão ou ameaça a direito se nem mesmo as decisões do Superior Tribunal de Justiça são respeitadas e se as decisões monocráticas são criticadas no Supremo Tribunal Federal, como ocorreu no julgamento da Reclamação da Advocacia Geral da União que pediu a revogação da decisão do Ministro Gilson Dipp, do STJ, que obrigava o Ministro de Educação a providenciar o pagamento do salário dos professores universitários, sob pena de prisão em caso de desobediência. Para evitar a prisão, o executivo editou o famigerado decreto 4.010/2001, deslocando a competência para o STF.
Perdeu a cidadania, mas perdeu também o executivo e muito mais perderam aqueles que criticaram seus pares por concederem medidas liminares quando há ameaça de lesão irreparável. É preciso acrescentar na Constituição o direito e o dever de todo brasileiro indignar-se sempre que os princípios constitucionais forem desrespeitados, especialmente quando a capacidade crítica dos brasileiros for subestimada.
*Advogada
Dezembro 2001
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