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O Cidadão, a Administração Pública e o Poder Judiciário

19/02/2003

Wanda Siqueira*


O cidadão brasileiro está carente de escuta, está desesperançado, sem saber que rumo dar à sua vida, sem saber se vale a pena lutar por seus direitos, se vale a pena estudar, se vale a pena ser trabalhador, se vale a pena ser honesto, se vale a pena acreditar nos políticos. se vale a pena acreditar no Poder Judiciário. Penso que a maioria dos brasileiros ainda deposita sua última esperança nesse poder, eis que, mensalmente, são ajuizadas milhares de medidas judiciais contra a administração pública em todo o território nacional, contra a União, os Estados, os Municípios e as Autarquias.

Essa luta pelo direito é prova inequívoca de que o cidadão confia na Justiça, mas, também, é prova de que os agentes públicos estão desrespeitando a Constituição Federal ao praticarem atos ilegais e abusivos que obrigam o cidadão a bater às portas do Poder Judiciário. É fácil comprovar a veracidade dessas afirmações, basta examinar o Diário Oficial da União e dos Estados para constatar, por exemplo, o quanto os servidores públicos (civis, militares) de todos os quadros são desrespeitados em seus direitos estatutários e constitucionais, sejam eles da ativa ou aposentados.

O Direito Administrativo, no Brasil, é um dos mais atrasados do mundo, compõe um emaranhado de leis, decretos, portarias. resoluções e medidas provisórias editados com a deliberada intenção de confundir o cidadão, senão os próprios profissionais da carreira jurídica. O Brasil tem a mais avançada legislação para a defesa dos direitos do consumidor e. por paradoxal que possa parecer, não tem Código Administrativo. No momento, o Congresso Nacional está em vias de aprovar mais uma lei para suprimir direitos dos servidores públicos e, se a cidadania não estiver atenta. logo aprovará normas legais para privatizar as universidades públicas. O Congresso Nacional, via de regra, aprova todas as leis feitas sob encomenda pelo Executivo federal, quando as leis não são outorgadas pelo chefe do Executivo.

Mesmo ferindo direitos constitucionais, é preciso depositar toda a confiança no Poder Judiciário e resgatar a força e eficácia de alguns instrumentos jurídicos como o mandado de segurança (individual e coletivo) e a ação popular. Entretanto, faz-se necessário acabar com o odioso privilégio dos prazos processuais em dobro e até em quádruplo que a União, os estados, os municípios e as autarquias têm para atrasar os processos - inclusive, dos humildes aposentados, de professores, de estudantes, de pensionistas e demais servidores públicos que buscam a tutela jurisdicional para proteger seus direitos lesados.

No julgamento do recurso especial n° 32.047- SP. o mnistro Edson Vidigal com propriedade assim se pronunciou: "O Poder Público no Brasil, padece dessa deplorável cultura do recurso pelo recurso, agindo em linha de montagem, recorrendo automaticamente. mesmo sabendo que não tem direito, contra todas as decisões favoráveis aos cidadãos. E assim, procrastinando, vai retardando a eficácia da prestação da justiça, primeiro dever do estado para com os cidadãos".

Como se vê, o cidadão precisa saber que a demora no deslinde das ações contra o poder público se deve muito a enxurrada de recursos procrastinatórios que a advocacia da União, dos estados, dos municípios e das autarquias é obrigada a ajuizar - muitas vezes contrariando a ética e a até a consciência dos procuradores - do que a outros fatores.

Conclui-se que o cidadão, mesmo esmagado pela quase ditadura do Poder Público, ainda acredita que vale a pena confiar no Poder Judiciário para abrandar, pelo direito, as diferenças sociais e resgatar a dignidade da pessoa humana, com o mesmo sentimento de Fernando Pessoa: "tudo vale a pena se a alma não é pequena". 

*Advogada
Fevereiro 2003

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